terça-feira, 25 de agosto de 2015

O admirável mundo novo

Não é de modo algum fruto desta nossa era moderna e talvez exista desde que o mundo é mundo, mas foi a partir de algumas décadas atrás que a burocracia veio ganhando corpo e a forma de indústria. Eu sempre afirmei o fato óbvio, para todos os que de uma forma ou de outra se beneficiam dela, de que onde há burocracia há corrupção. Vi perplexo há uns anos o (des)governo brasileiro criar um Ministério da Desburocratização, o que significa que, para se acabar com a burocracia, criou-se mais burocracia ainda. E pensei cá comigo que este não é um país, mas um hospício. Mas trata-se de algo diferente. Os fatos demonstram insistentemente que os atos sem sentido, seja de pessoas, grupos de pessoas ou mesmo dos governos, têm apenas duas causas possíveis, excluindo-se, claro, os casos de loucura: burrice ou má fé. E os nossos políticos, espertos como são, preferem se passar por idiotas a ganharem notoriedade como ladrões descarados. Mas enfim, a sua má fé é nada mais nada menos do que a má fé do próprio povo, do qual eles constituem uma amostra e então tudo termina bem para ambos os lados. Daí se explica a docilidade com que a população aceita o que seria inaceitável num país sério.
Mas, voltando à burocracia, é dela que uma leitura mais apurada vai revelar um princípio muito simples e eficaz para se ter uma mina de ouro nas mãos, e que pode ser expresso da seguinte forma: crie dificuldades e venda facilidades. Isto explica desde já a conexão entre burocracia e corrupção, mas a coisa não fica só nisso. Nos EUA, por exemplo, nascedouro de ideias geniais e de bizarrices inimagináveis, é crime em alguns estados um sujeito colher água da chuva, seja para o que for. A alegação é: "Você não pagou por isto". Ainda na terra do Tio Sam, já há, devido à crescente e muito mal explicada extinção das abelhas, um emergente e lucrativo ramo de negócios em que empresas cuidam de alugar caixas com colméias a agricultores a fim de polinizar suas plantações. Os exemplos grassam, se dermos uma olhada cuidadosa. E me parece ser esta a tônica deste nosso século XXI onde, sem querer ser ou parecer um pessimista, eu diria que falta muito pouco para o ar ser vendido. Simples e genial: polua os rios e fontes e venda água pura; polua o mar e venda peixes criados em fazendas; Envenene os alimentos e venda orgânicos; dificulte o que puder e venda o acesso. Torne os seres humanos estéreis e venda bebês de proveta...Impossível? Quase...
Como eu disse no início, isto não é coisa nova, mas o seu princípio como instrumento sim. Basta lembrarmos que há uns dois milênios, a religião judaico-cristã estabeleceu que todo ser humano já é pecador de nascença e passou a vender a salvação de várias formas e vemos como isto, além de representar a forma mais absurda de escravidão das mentes, nos dias de hoje se tornou um negócio bilionário. Seu filhote mais recente, a Psicanálise, estabeleceu que todo ser humano é, a priori, um neurótico e passou a vender a "cura", se por este termo entendermos uma pessoa chegar numa roda de amigos e dizer com indisfarçável orgulho: "eu sou analizado". Enfim, "Crie dificuldades e venda facilidades" parece ser a tônica deste nosso admirável mundo novo...