quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Filosofando VII

O gênio e o louco mergulham nas mesmas águas. Só que o gênio sabe nadar. Mas não se preocupe: o destino dos dois é morrerem afogados mesmo...


(Jan Robba em:"O livro das esquisitices")

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A nave

- Acorde...pode abrir os olhos...
- Onde estou?
- Espere um pouco até recobrar inteiramente a sua consciência...
Já havia se passado uma hora e meia, desde que ele entrara por aquela porta, desta vez decidido a acabar de vez com o seu tormento.
- Como está se sentindo?
- Bem...feliz...feliz...muito bem...
- Veja isto. - E abriu a enorme folha de papel pardo diante dele, cujo olhar tentava, sem sucesso, apreender aquela enormidade de linhas e símbolos.
- O quê é?
- Foi você mesmo quem desenhou enquanto estava em transe. Veja aqui no canto: é a sua assinatura, que eu pedi para que você depois tivesse certeza. Reconhece a sua assinatura?
- Reconheço sim, mas o quê é isso?
- É, segundo você mesmo disse, a planta do objeto que você, durante o seu transe, disse que o sequestrou. Está vendo estes símbolos ali no alto à direita? É uma mensagem que supostamente lhe foi passada, mas não me pergunte qual a finalidade disto, porque eu não sei. Está escrita em um alfabeto completamente estranho para mim. É uma espécie de escrita cuneiforme. Você mesmo traduziu esta mensagem e a gravação está nesta fita aqui.
- E o quê diz a mensagem?
- Olha, você estava péssimo quando veio me procurar. Você passou dois anos sem dormir direito, sem se alimentar direito e quase foi parar num hospício por causa disto. Deixe pra lá...não quero que fique pior...


(Jan Robba em:"O livro das esquisitices")

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Um caso sério

O telefone tocou e ele atendeu...
- Seu nojento, cachorro, safado!
- O quê foi que eu fiz dessa vez, Paulinha?
- Você ainda pergunta? Você saiu com a minha melhor amiga, a Cris, seu cachorro! Estou te odiando...
- Acorda, porra...Larga de ser fresca. Você não me trai com o seu marido todas as noites?
- É, mas ele é meu marido, é ele quem transa comigo, e não eu com ele...
- É a mesma coisa...Não fui eu que transei com a Cris, mas ela quem quis dar pra mim...
- Então diz que você não sente nada por ela.
- É o que eu te falei: eu fui só um passatempo pra ela...
- Ah, então tá...



(Jan Robba em:"O livro das esquisitices")

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Além da imaginação

A morte do espírito

Eu costumo pensar que a vida é maravilhosa de ser vivida, pelos mistérios que ela esconde. Quando jovens, nós temos essa coisa, essa fascinação pelo mistério. Mas então "crescemos"(o mais correto seria dizer "encolhemos") e caímos em poder da mesmice e da chatice, dessa razão estúpida que andam pregando por aí, mas que se retrai e se contradiz quando tem que encarar o que é simplesmente fato. Imagine um mundo onde não haja espíritos, nem fantasmas, nem paranormalidade, nem alienígenas, nem discos voadores, nem civilizações antigas avançadíssimas e que não houvesse emoção e nada que não fosse fruto do raciocínio. O inferno pareceria brincadeira de criança. E, no entanto, é neste mesmo inferno que muitos se sentam em um sofá, olham a televisão e morrem um pouco a cada dia, mas não só  da morte que é o destino de todos nós, mas da morte do espírito.


(Jan Robba em:"O livro das esquisitices")

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A conspiração


- Bons tempos, aqueles, em que era proibido beber em dia de eleição, hem? A bebida tinha um sabor todo especial...
- Um gosto de liberdade, que só se encontra na clandestinidade...uma das poucas ocasiões em que um indivíduo se afirma como dono do seu destino, a despeito de qualquer proibição.
- E então? Em quem você votou?
- O voto é secreto, seu jumento...- disse ele, zombando do amigo e tomando mais um gole da cerveja.
- Não acho. Se fosse secreto mesmo, eles não divulgavam o resultado das eleições.
- Faz sentido...Eu anulei aquela porra. Essa nossa democracia é tão boa, que nem se abster de votar a gente pode...Ainda na fila da minha seção, eu estava pensando em Verinha...
- Qual Verinha?
- Verinha, que foi minha noiva...Ela ligou pra mim, choramingou no telefone, disse que está carente, que quer voltar. Você sabe...essas coisas que toda mulher fala quando está sozinha e o espelho já não é mais aquele amigo de antes. Me ocorreu que eu estava a ponto de cometer uma auto-traição, voltando pra ela. Mas aí é que percebi que estava a ponto de cometer não apenas uma, mas duas auto-traições...
- Como assim?
- Ora, eu estava naquela fila para cometer a primeira delas: vender minha alma ao diabo nessa palhaçada que chamam de eleições. Onde você já viu isso? Você é multado, se exercer a sua vontade livremente ficando em casa, enquanto outras coisas mais absurdas são até incentivadas pelo governo...
- As coisas melhoraram muito, cara...
- Português, me dá um maço daquele Hollywood aí...e traz mais uma cerveja...
O Português trouxe o maço de cigarros e a cerveja e então ele tirou um cigarro, acendeu e continuou:
- Tenho acompanhado o discurso destes candidatos aí. Nenhum deles é honesto e corajoso o suficiente para tocar numa questão que é crucial para a humanidade, e não só para o país, e que já é uma questão ecológica...
- Qual questão?
- Uma política para conter o avanço demográfico e reduzir a população aos níveis do início dos anos 70, ou seja, a pelo menos 30% do que é hoje.
- Se você está falando de controle de natalidade, pode tirar seu cavalo da chuva, porque a maneira mais rápida e certeira de perder uma eleição é falar em controle de natalidade. Isso soa a comunismo, e nenhum candidato quer perder uma eleição...Você sabe disso...E também tem um detalhe: Sua Santidade não gosta dessas coisas...
- Olha, sem querer parecer pessimista, mas eu acho que já é um pouco tarde para controle de natalidade. Raciocine comigo: se controlarmos os nascimentos drasticamente, da maneira como precisa ser feito, teremos a médio e longo prazo um mundo com uma população de velhos.
- Certo, continue.
- Daí que, a continuarem como estão, as coisas chegarão a um nível alarmante e, então os técnicos, cientistas, governantes ou sei lá o quê, vão ter na certa que dar um jeito de ir matando os velhos em massa, e de maneira muito sutil, pois assim se pode ter a médio e longo prazo uma população muito reduzida e composta em sua maioria de jovens. Uma questão de produtividade.
- Porra, cara - e o amigo virou o copo de cerveja - isso está parecendo ficção científica, teoria da conspiração, terror, sei lá...
- É, mas não se preocupe...se não fizermos algo, a natureza certamente dará um jeito de fazer. Além do mais, você acha que, para um tecnocrata, a vida de um velho, ou de todos os velhos do mundo, é mais importante do que a sua própria sobrevivência, ou a da corja à qual ele serve como um cão fiel?



(Jan Robba em:"O livro das esquisitices")

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Filosofando VI


Sobre a Vaidade:

Vaidade é o vício de olhar a si próprio com os olhos dos outros. Mesmo quando este olhar o coloque como o último dos homens(Jan Robba)



(Jan Robba em:"O livro das esquisitices")

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O grande general


Desde que fora escolhido para governar o país, o general deixara de usar o Ray ban escuro, que substituíra por um modêlo mais amigável, de lentes claras. Não se pode dizer que as suas narinas já simpatizassem com o cheiro do povo, mas pelo menos o cheiro das crianças, que não o confundiam mais com o diabo, ele já tolerava. Saltou da limousine, ao som da Banda dos Fuzileiros, que executava o hino da Marinha, que ele odiava.
- Cisne Branco é o cacete - pensava consigo - coisa de viado...
Foi rodeado por um grupo de crianças, todas com bandeirinhas do Brasil na mão.
- O senhor já atirou de fuzil? - perguntou um menininho, que o puxava pela barra do paletó.
- Já, já atirei de fuzil.
- O senhor já deu tiro de canhão?
- Já, já dei muitos tiros de canhão.
- O senhor já deu tiro de tanque de guerra?
- Já atirei muito, com o meu tanque.
- O senhor já jogou muita granada?
- Já, garoto, já joguei muita granada, porra.
- E matou muitos comunistas?
- Porra, seu pai devia te dar umas porradas, seu guri de merda.



(Jan Robba em:"O livro das esquisitices")

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Um intrigante paradoxo...

- Sabe, não sei se isso é bom ou mau, mas acho que o tédio e a falta de sexo fazem a gente pensar umas coisas...
Ele então pegou mais um cigarro e o acendeu na ponta que ainda estava acesa no cinzeiro.
- Sacanagens?- perguntou ela, com um brilho diferente naqueles olhos negrinhos.
- Mais do que sacanagens...talvez a maior das sacanagens...
- Como assim?
- Nossa vida, nossa existência, estão fundadas em um paradoxo estúpido...
- Explique...
- Ora, eu demorei 49 anos para me tornar o que sou e ainda não terminei o meu trabalho, pois o ano que vem, nesta mesma época, mais um ano terá se passado e eu terei levado 50 anos para me tornar o que serei. Levei este pensamento às suas últimas consequências e vi que o trabalho de ser o que se é só termina com a morte, quando nos tornamos o que não somos...
Dito isto, fico me perguntando: qual o sentido deste trabalho todo só para nos tornarmos apenas não-ser ou mero adubo?
Mais ainda: Por quê os apressadinhos não têm a mínima pressa quando se trata de terminar esse trabalho?(pelo contrário, tentam adiá-lo de todo jeito...)
E a conclusão é óbvia: Enquanto somos, não terminamos o trabalho de sermos; mas se o terminamos, já não somos mais.



(Jan Robba em:"O livro das esquisitices")