quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A conspiração


- Bons tempos, aqueles, em que era proibido beber em dia de eleição, hem? A bebida tinha um sabor todo especial...
- Um gosto de liberdade, que só se encontra na clandestinidade...uma das poucas ocasiões em que um indivíduo se afirma como dono do seu destino, a despeito de qualquer proibição.
- E então? Em quem você votou?
- O voto é secreto, seu jumento...- disse ele, zombando do amigo e tomando mais um gole da cerveja.
- Não acho. Se fosse secreto mesmo, eles não divulgavam o resultado das eleições.
- Faz sentido...Eu anulei aquela porra. Essa nossa democracia é tão boa, que nem se abster de votar a gente pode...Ainda na fila da minha seção, eu estava pensando em Verinha...
- Qual Verinha?
- Verinha, que foi minha noiva...Ela ligou pra mim, choramingou no telefone, disse que está carente, que quer voltar. Você sabe...essas coisas que toda mulher fala quando está sozinha e o espelho já não é mais aquele amigo de antes. Me ocorreu que eu estava a ponto de cometer uma auto-traição, voltando pra ela. Mas aí é que percebi que estava a ponto de cometer não apenas uma, mas duas auto-traições...
- Como assim?
- Ora, eu estava naquela fila para cometer a primeira delas: vender minha alma ao diabo nessa palhaçada que chamam de eleições. Onde você já viu isso? Você é multado, se exercer a sua vontade livremente ficando em casa, enquanto outras coisas mais absurdas são até incentivadas pelo governo...
- As coisas melhoraram muito, cara...
- Português, me dá um maço daquele Hollywood aí...e traz mais uma cerveja...
O Português trouxe o maço de cigarros e a cerveja e então ele tirou um cigarro, acendeu e continuou:
- Tenho acompanhado o discurso destes candidatos aí. Nenhum deles é honesto e corajoso o suficiente para tocar numa questão que é crucial para a humanidade, e não só para o país, e que já é uma questão ecológica...
- Qual questão?
- Uma política para conter o avanço demográfico e reduzir a população aos níveis do início dos anos 70, ou seja, a pelo menos 30% do que é hoje.
- Se você está falando de controle de natalidade, pode tirar seu cavalo da chuva, porque a maneira mais rápida e certeira de perder uma eleição é falar em controle de natalidade. Isso soa a comunismo, e nenhum candidato quer perder uma eleição...Você sabe disso...E também tem um detalhe: Sua Santidade não gosta dessas coisas...
- Olha, sem querer parecer pessimista, mas eu acho que já é um pouco tarde para controle de natalidade. Raciocine comigo: se controlarmos os nascimentos drasticamente, da maneira como precisa ser feito, teremos a médio e longo prazo um mundo com uma população de velhos.
- Certo, continue.
- Daí que, a continuarem como estão, as coisas chegarão a um nível alarmante e, então os técnicos, cientistas, governantes ou sei lá o quê, vão ter na certa que dar um jeito de ir matando os velhos em massa, e de maneira muito sutil, pois assim se pode ter a médio e longo prazo uma população muito reduzida e composta em sua maioria de jovens. Uma questão de produtividade.
- Porra, cara - e o amigo virou o copo de cerveja - isso está parecendo ficção científica, teoria da conspiração, terror, sei lá...
- É, mas não se preocupe...se não fizermos algo, a natureza certamente dará um jeito de fazer. Além do mais, você acha que, para um tecnocrata, a vida de um velho, ou de todos os velhos do mundo, é mais importante do que a sua própria sobrevivência, ou a da corja à qual ele serve como um cão fiel?



(Jan Robba em:"O livro das esquisitices")

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