terça-feira, 26 de agosto de 2014

Os Nanautas estão entre nós(Parte VI)


 
Foi Sua Divina Graça Sri Kagayanda Maharishi, profundo conhecedor da natureza humana, quem afirmou um dia: “Todo homem é como um disco de vinil: tem um lado A, um lado B e um buraco no meio”. Buracos à parte, nas pessoas comuns estes dois lados quase que se confundem, mas é nos gênios que a diferença entre eles assume proporções assombrosas. Ayo Silver é um exemplo disso. Conta-se que o seu pai fora um feiticeiro haitiano que se refugiara no sul dos EUA, casando-se com uma senhora de reputação meio duvidosa, com quem tivera apenas um filho, dos muitos que pusera no mundo. Rapidamente tornou-se um bem sucedido empresário do ramo do prazer e da luxúria, vindo a falir algum tempo depois com o advento da Gripe espanhola, que dizimou quase todas as moças prestadoras de favores libidinosos no país e os clientes quase todos também. Com o pai, Ayo Silver aprendera todos os mistérios da macumba, da feitiçaria e do mundo empresarial, e o mundo se encarregaria naturalmente de lhe ensinar o restante, de forma que ele conseguiu acumular um invejável currículo que incluía roubo, estelionato, assalto a mão armada, tráfico de bebidas, pornografia infantil, agressão, desacato à autoridade, formação de quadrilha, tráfico de influência, corrupção de menores, contrabando de animais silvestres, suborno, corrupção ativa e passiva, extorsão, falsidade ideológica, atentado violento ao pudor, falsificação, desvio de verbas públicas, charlatanismo, bebedeira, arruaça e homicídio seguido de morte(este último item, aliás, gerou uma batalha jurídico-filosófica que se estendeu por vários anos, incendiando o meio acadêmico e resultando sem solução até os dias de hoje). O pouco tempo que passou na cadeia, isolado das más influências, foi suficiente para que ele desenvolvesse duas das mais revolucionárias técnicas de que se tem notícia: o Telégrafo espiritual, baseado num código que ele mesmo criou, análogo ao Código Morse, e que batizou de “Código Silver”. Era para ser executado com atabaques de macumba, que funcionavam como transmissores, a fim de tornar mais precisas as comunicações com o mundo espiritual. A partir de então foi que, qualquer um que desejasse enviar uma mensagem a um ente querido já falecido, teria apenas que escrever a tal mensagem em um papel e, mediante um pequeno pagamento, os ogãs se encarregariam de enviá-la através de seus tambores. O mundo prostrou-se diante de tal prodígio e a modernidade finalmente chegou aos centros de macumba pois, dali por diante, cada terreiro passaria a funcionar como uma Lan House espiritual. Mas uma outra invenção teve um impacto mais contundente ainda, repercutindo até mesmo na milenar China: a Acupuntura à distância, a qual ganhou enorme notoriedade no mundo inteiro, ficando mais conhecida no ocidente como Vudu. Seu princípio é muito antigo e bem simples: “O igual se comporta igualmente, e não diferentemente”(Imitágoras). Dito numa liguagem mais popular, "O pau que dá em Chico, dá em Francisco". A partir disto ele deduziu que, se um simples átomo se comporta como um sistema solar ou uma galáxia, então, com um simples boneco e algumas agulhas e sabendo onde enfiá-las, ele poderia curar ou matar alguém à distância. O próprio Ayo Silver viria a afirmar categoricamente que "qualquer país que tiver uns dez bons vuduzeiros não precisa de exército". Por conta desta afirmação, no ano seguinte a Convenção de Genebra incluiria o Vudu na lista de crimes de guerra espirituais. Foi talvez graças a esta invenção que ele jamais pode ser condenado em um tribunal, pois todos os juízes designados para julgá-lo ficaram afônicos e com os braços paralisados e, portanto, não tiveram condições de bater o martelo e dar a sentença. Assim, após horas de uma interminável reunião, a corte de New Orleans achou por bem esquecer tudo e ele foi deixado em liberdade, tendo apenas que realizar pequenos serviços comunitários, tipo assombrar crianças desobedientes que faziam birra na hora de comer.
Este era Ayo Silver, o Einstein do mundo espiritual, tio de A.C. Silver, com quem muito breve teria um encontro histórico...

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Filosofando L

O mundo é com certeza um lugar muito esquisito mesmo. Mas o quê é a humanidade senão um monte de gente esquisita tentando, através das eras, criar uma normalidade para tornar-se escravo da mesma, fazer dela um modo de vida e sabotá-la sempre que não estiver sob a mira dos outros olhares? Talvez esta seja a maior das esquisitices deste mundo...

sábado, 16 de agosto de 2014

Os Nanautas estão entre nós (Parte V)


Lar, doce lar! Era de fato maravilhosa a sensação de estar de volta ao lar, depois daquela louca aventura em que perdera uma parte do seu tronco ao ser atropelado por uma manada de bovinos na Índia, e que o deixara com o perfil para sempre assim meio atarracado, ter sido preso e torturado por bater carteiras em Nova Délhi e por fazer mal a duas vacas e, o mais sensacional, o fabuloso encontro com Sua Divina Graça, Sri Kagayanda Maharishi, o mestre que veio trazer luz ao mundo, desde que todos pagassem em dia as suas contas de energia e o primeiro homem a se declarar publicamente Etcéterossexual.  Não conseguiu controlar a emoção ao entrar de novo no porão da velha casa e contemplar ali o mesmo feixe de luz, resultante de um pequeníssimo buraco na parede, que um casal de Barbeiros fizera  a fim de fazerem sexo e que, no final, possibilitou que ele viesse a formular a sua revolucionária teoria dos Nanautas. Eram as eliminatórias da Copa de 70 e Silver ouvia a eletrizante partida Namíbia 5X4 Vietnam, no rádio a pilhas que ele achara naquela montanha de lixo que resultara de Woodstock e que resolvera levar para casa.  Antes mesmo que o Vietnam pudesse empatar, o rádio pifou e ele resolveu dar uns tapinhas daqueles que todo mundo dá quando um aparelho não está funcionando direito. Inexplicavelmente, o rádio voltou a funcionar, e ele pode ouvir o restante de Vietnam 8X7 Namíbia. Mas dentro de alguns minutos, o rádio ficara novamente mudo, e ele repetiu o procedimento: deu uns tapas no rádio e restabeleceu assim o seu funcionamento normal. Parou por alguns instantes para pensar e nem se deu conta de que já estava Namíbia 12X9 Vietnam, resultado final, e então teve um daqueles muito frequentes lampejos de genialidade: era perfeitamente plausível que um sistema qualquer(no caso, o rádio a pilhas), sob o impacto de um outro corpo(sua mão), sofresse um rearranjo sistêmico, passando assim a funcionar de uma forma totalmente inesperada ou voltando à sua configuração original. É o que todos nós fazemos, sem o sabermos, quando damos um tapa no telefone, no rádio ou em outra pessoa, e a humanidade já conhece e põe isto em prática de maneira instintiva desde tempos imemoriais. E ele não poderia estar mais correto. Daí começou, num trabalho frenético, a construir a sua Teoria Universal da Chacoalhada Sistêmica, que explicaria as diferenças no comportamento, seja de átomos ou de galáxias inteiras, após o choque com outros corpos. Em sua mente, estavam mais do que evidentes as causas do desaparecimento dos Dinossauros, das glaciações, do por quê uma mulher se apaixona após levar umas porradas, da fissão nuclear e dos traumas. Breuer e Freud estavam superados, assim como Darwin e Einstein. Definitivamente. Precisava demonstrar isso experimentalmente, e ninguém melhor do que Ayo Silver, o seu tio por parte da cunhada da sua mãe adotiva e o maior macumbeiro de New Orleans, para ajudá-lo nisso. Precisava urgentemente ir para New Orleans encontrar-se com o tio e resolveu que o modo mais prático de conseguí-lo seria vendendo uns atestados médicos para candidatos a empregos públicos, tarefa que executava de vez em quando, sempre que a situação apertava. Não havia nada de ilegal ou antiético nisso, já que um médico amigo seu, antes de ser internado numa clínica para doentes mentais, dera a ele de presente toda a coleção de "Medicina e Saúde", que o seu apetite por conhecimento o fizera devorar em pouco tempo. Achou que os métodos de diagnóstico tradicionais eram trabalhosos e desnecessariamente complicados e acabou por inventar um bem simples e extremamente prático, que se baseava na coloração da pele. Se a pele do paciente estivesse esverdeada, era infecção por bactérias; se estivesse amarelada, era verminose, e se estivesse acinzentada, era morte na certa. A coloração normal da pele significava apenas que o paciente teria que fazer um pequeno agrado ao médico(no caso, ele), a fim de confirmar sua normalidade. E assim foi. Era só uma questão de tempo, para estar desembarcando na terra dos ciclones e de "Little Horny" Johnson, conhecido também como "Seven Rhinos" Johnson, o célebre cantor de Blues que fizera um pacto com o Diabo, mas fornecera ao mesmo um endereço falso e fugira para não ter que pagar ao Cão o que prometera. E também não tardaria muito a encontrar-se com "Seven Rhinos" e desvendar assim todo o mistério em torno de sua suposta morte. Mas muito, muito mais ainda estava por acontecer...

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Homenagem póstuma a um amigo

A solidão e a má companhia fazem com que o tempo se arraste, como se fosse eterno. Todo mundo sabe disso.
Um certo autor, cujo nome não lembro, disse certa vez: "Em termos de pensar, eu posso dividir a humanidade em tres grupos: os que pensam grande, os que pensam profundo e aqueles para os quais o pensamento simplesmente lhes acontece, como pegar um resfriado, ser atingido por uma bala perdida e por aí vai". Se o tal autor estiver certo em suas afirmações, Sílvio Romero era um legítimo e admirável representante deste primeiro grupo, e eu tive o privilégio de conhecê-lo. Convivemos por muito pouco tempo, e o que sei dele são capítulos esparsos de uma história de grandes realizações e conquistas. Juntamente com um outro admirável Sílvio, o Santos, era um homem que acreditava no capitalismo, um mágico, um homem que fazia o mundo acontecer e que mostrava de quantas coisas gloriosas um homem é capaz, enquanto eu me perdia aqui com o meu umbigo, pensando o mundo e a humanidade. Era de uma ética que eu, do alto da minha montanha submersa(pois no fundo do mar também há montanhas e picos altíssimos), jamais imaginei encontrar em um capitalista.
Lembro com muita clareza do dia em que nos conhecemos. Estava eu espichado no meu quiosque preferido da praia, bebendo uma latinha, esperando dar onze horas, que é a hora em que o vento pontualmente começa a soprar desde o oceano e muda tudo como num passe de mágica, transformando uma mera paisagem em um quadro, uma obra prima. Olhei para o lado e vi aquele sujeito simpático tão enfeitado quanto um empresário do mundo brega e tive vontade de rir. Sua calça absurdamente branca, imaculada; seu blusão matematicamente engomado, seu cabelo que parecia ter recebido uma ordem de não sair, em hipótese alguma, do lugar. Usava um anel, um cordão e uma pulseira que pareciam ser de ouro, e que depois vim a saber que eram mesmo. Um daqueles óculos F1, original, que devia valer mais do que a minha roupa, meu smart e minha Sun Race juntas. Olhei a manchete estampada no jornal barato que estava em cima de sua mesa  e achei de puxar conversa com aquele "galã de subúrbio".  O resultado foram oito horas de um bate papo inesquecível, no qual falamos sobre arte, política, mulher, futebol, literatura, tecnologia, putaria, vida alheia, cinema e estava ali um cara que o meu coração eslavo, socialista e cético  não esqueceria jamais. E acabamos fazendo destes encontros um hábito que fazíamos questão de conservar.
É uma sensação perfeitamente normal, quando não vemos um amigo há muito tempo,  mas sabemos que ele está vivo. O reencontro é só uma questão de tempo. Vivi estes seis meses com este sentimento mas, há poucos dias, soube que ele sofrera um acidente, vindo a falecer em fins de fevereiro. Não o via desde antes do Natal. É difícil saber que não vamos ter mais a companhia de um amigo. Ele não era da Ilha, mas era um apaixonado por este lugar. Seu plano louco de fazer um cinturão de cem metros de aterro em torno da Ilha e uma rodovia circundando-a toda, mais um hotel internacional, um enorme shopping center e um polo de gastronomia me pareciam absurdos mas, só de olhar nos olhos dele e ouvi-lo falar, qualquer um se convenceria de que era possível. E bem breve, ele trouxe à nossa mesa os políticos que poderiam tornar viável este projeto. Ele amava as viagens, as boas mulheres, a boa música e a boa conversa. Era um bon vivant. Fora diretor de pelo menos tres grandes multinacionais no Brasil e um exímio jogador de pôquer. Abandonou as mesas de jogo quando, após ganhar um carro zero quilômetro numa aposta, percebeu que também poderia ter perdido tudo e ficado na miséria, juntamente com a mulher e a filha. Um dia ele me propôs de me lançar como candidato na política, só desistindo da ideia após eu lhe apresentar todas as razões comunicacionais pelas quais a minha candidatura não emplacaria de forma alguma, a começar pelo meu sobrenome. Se ele ainda estivesse aqui entre nós, com certeza estaria realizando coisas, enquanto eu, aqui pensando, fico me perguntando por quê certas pessoas não vivem para sempre. Eu poderia ter aprendido mais, poderia ter desfrutado mais desta amizade que fazia valer cada minuto de nossos encontros. Onde quer que esteja, meu amigo, receba o meu carinho e a minha eterna admiração.

sábado, 9 de agosto de 2014

Muito estranho

Muito estranho mesmo, este mundo, em que até mesmo os músicos têm que dançar conforme a música. E o pior: não são eles que fazem a música.