quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Homenagem póstuma a um amigo

A solidão e a má companhia fazem com que o tempo se arraste, como se fosse eterno. Todo mundo sabe disso.
Um certo autor, cujo nome não lembro, disse certa vez: "Em termos de pensar, eu posso dividir a humanidade em tres grupos: os que pensam grande, os que pensam profundo e aqueles para os quais o pensamento simplesmente lhes acontece, como pegar um resfriado, ser atingido por uma bala perdida e por aí vai". Se o tal autor estiver certo em suas afirmações, Sílvio Romero era um legítimo e admirável representante deste primeiro grupo, e eu tive o privilégio de conhecê-lo. Convivemos por muito pouco tempo, e o que sei dele são capítulos esparsos de uma história de grandes realizações e conquistas. Juntamente com um outro admirável Sílvio, o Santos, era um homem que acreditava no capitalismo, um mágico, um homem que fazia o mundo acontecer e que mostrava de quantas coisas gloriosas um homem é capaz, enquanto eu me perdia aqui com o meu umbigo, pensando o mundo e a humanidade. Era de uma ética que eu, do alto da minha montanha submersa(pois no fundo do mar também há montanhas e picos altíssimos), jamais imaginei encontrar em um capitalista.
Lembro com muita clareza do dia em que nos conhecemos. Estava eu espichado no meu quiosque preferido da praia, bebendo uma latinha, esperando dar onze horas, que é a hora em que o vento pontualmente começa a soprar desde o oceano e muda tudo como num passe de mágica, transformando uma mera paisagem em um quadro, uma obra prima. Olhei para o lado e vi aquele sujeito simpático tão enfeitado quanto um empresário do mundo brega e tive vontade de rir. Sua calça absurdamente branca, imaculada; seu blusão matematicamente engomado, seu cabelo que parecia ter recebido uma ordem de não sair, em hipótese alguma, do lugar. Usava um anel, um cordão e uma pulseira que pareciam ser de ouro, e que depois vim a saber que eram mesmo. Um daqueles óculos F1, original, que devia valer mais do que a minha roupa, meu smart e minha Sun Race juntas. Olhei a manchete estampada no jornal barato que estava em cima de sua mesa  e achei de puxar conversa com aquele "galã de subúrbio".  O resultado foram oito horas de um bate papo inesquecível, no qual falamos sobre arte, política, mulher, futebol, literatura, tecnologia, putaria, vida alheia, cinema e estava ali um cara que o meu coração eslavo, socialista e cético  não esqueceria jamais. E acabamos fazendo destes encontros um hábito que fazíamos questão de conservar.
É uma sensação perfeitamente normal, quando não vemos um amigo há muito tempo,  mas sabemos que ele está vivo. O reencontro é só uma questão de tempo. Vivi estes seis meses com este sentimento mas, há poucos dias, soube que ele sofrera um acidente, vindo a falecer em fins de fevereiro. Não o via desde antes do Natal. É difícil saber que não vamos ter mais a companhia de um amigo. Ele não era da Ilha, mas era um apaixonado por este lugar. Seu plano louco de fazer um cinturão de cem metros de aterro em torno da Ilha e uma rodovia circundando-a toda, mais um hotel internacional, um enorme shopping center e um polo de gastronomia me pareciam absurdos mas, só de olhar nos olhos dele e ouvi-lo falar, qualquer um se convenceria de que era possível. E bem breve, ele trouxe à nossa mesa os políticos que poderiam tornar viável este projeto. Ele amava as viagens, as boas mulheres, a boa música e a boa conversa. Era um bon vivant. Fora diretor de pelo menos tres grandes multinacionais no Brasil e um exímio jogador de pôquer. Abandonou as mesas de jogo quando, após ganhar um carro zero quilômetro numa aposta, percebeu que também poderia ter perdido tudo e ficado na miséria, juntamente com a mulher e a filha. Um dia ele me propôs de me lançar como candidato na política, só desistindo da ideia após eu lhe apresentar todas as razões comunicacionais pelas quais a minha candidatura não emplacaria de forma alguma, a começar pelo meu sobrenome. Se ele ainda estivesse aqui entre nós, com certeza estaria realizando coisas, enquanto eu, aqui pensando, fico me perguntando por quê certas pessoas não vivem para sempre. Eu poderia ter aprendido mais, poderia ter desfrutado mais desta amizade que fazia valer cada minuto de nossos encontros. Onde quer que esteja, meu amigo, receba o meu carinho e a minha eterna admiração.

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