sábado, 16 de agosto de 2014

Os Nanautas estão entre nós (Parte V)


Lar, doce lar! Era de fato maravilhosa a sensação de estar de volta ao lar, depois daquela louca aventura em que perdera uma parte do seu tronco ao ser atropelado por uma manada de bovinos na Índia, e que o deixara com o perfil para sempre assim meio atarracado, ter sido preso e torturado por bater carteiras em Nova Délhi e por fazer mal a duas vacas e, o mais sensacional, o fabuloso encontro com Sua Divina Graça, Sri Kagayanda Maharishi, o mestre que veio trazer luz ao mundo, desde que todos pagassem em dia as suas contas de energia e o primeiro homem a se declarar publicamente Etcéterossexual.  Não conseguiu controlar a emoção ao entrar de novo no porão da velha casa e contemplar ali o mesmo feixe de luz, resultante de um pequeníssimo buraco na parede, que um casal de Barbeiros fizera  a fim de fazerem sexo e que, no final, possibilitou que ele viesse a formular a sua revolucionária teoria dos Nanautas. Eram as eliminatórias da Copa de 70 e Silver ouvia a eletrizante partida Namíbia 5X4 Vietnam, no rádio a pilhas que ele achara naquela montanha de lixo que resultara de Woodstock e que resolvera levar para casa.  Antes mesmo que o Vietnam pudesse empatar, o rádio pifou e ele resolveu dar uns tapinhas daqueles que todo mundo dá quando um aparelho não está funcionando direito. Inexplicavelmente, o rádio voltou a funcionar, e ele pode ouvir o restante de Vietnam 8X7 Namíbia. Mas dentro de alguns minutos, o rádio ficara novamente mudo, e ele repetiu o procedimento: deu uns tapas no rádio e restabeleceu assim o seu funcionamento normal. Parou por alguns instantes para pensar e nem se deu conta de que já estava Namíbia 12X9 Vietnam, resultado final, e então teve um daqueles muito frequentes lampejos de genialidade: era perfeitamente plausível que um sistema qualquer(no caso, o rádio a pilhas), sob o impacto de um outro corpo(sua mão), sofresse um rearranjo sistêmico, passando assim a funcionar de uma forma totalmente inesperada ou voltando à sua configuração original. É o que todos nós fazemos, sem o sabermos, quando damos um tapa no telefone, no rádio ou em outra pessoa, e a humanidade já conhece e põe isto em prática de maneira instintiva desde tempos imemoriais. E ele não poderia estar mais correto. Daí começou, num trabalho frenético, a construir a sua Teoria Universal da Chacoalhada Sistêmica, que explicaria as diferenças no comportamento, seja de átomos ou de galáxias inteiras, após o choque com outros corpos. Em sua mente, estavam mais do que evidentes as causas do desaparecimento dos Dinossauros, das glaciações, do por quê uma mulher se apaixona após levar umas porradas, da fissão nuclear e dos traumas. Breuer e Freud estavam superados, assim como Darwin e Einstein. Definitivamente. Precisava demonstrar isso experimentalmente, e ninguém melhor do que Ayo Silver, o seu tio por parte da cunhada da sua mãe adotiva e o maior macumbeiro de New Orleans, para ajudá-lo nisso. Precisava urgentemente ir para New Orleans encontrar-se com o tio e resolveu que o modo mais prático de conseguí-lo seria vendendo uns atestados médicos para candidatos a empregos públicos, tarefa que executava de vez em quando, sempre que a situação apertava. Não havia nada de ilegal ou antiético nisso, já que um médico amigo seu, antes de ser internado numa clínica para doentes mentais, dera a ele de presente toda a coleção de "Medicina e Saúde", que o seu apetite por conhecimento o fizera devorar em pouco tempo. Achou que os métodos de diagnóstico tradicionais eram trabalhosos e desnecessariamente complicados e acabou por inventar um bem simples e extremamente prático, que se baseava na coloração da pele. Se a pele do paciente estivesse esverdeada, era infecção por bactérias; se estivesse amarelada, era verminose, e se estivesse acinzentada, era morte na certa. A coloração normal da pele significava apenas que o paciente teria que fazer um pequeno agrado ao médico(no caso, ele), a fim de confirmar sua normalidade. E assim foi. Era só uma questão de tempo, para estar desembarcando na terra dos ciclones e de "Little Horny" Johnson, conhecido também como "Seven Rhinos" Johnson, o célebre cantor de Blues que fizera um pacto com o Diabo, mas fornecera ao mesmo um endereço falso e fugira para não ter que pagar ao Cão o que prometera. E também não tardaria muito a encontrar-se com "Seven Rhinos" e desvendar assim todo o mistério em torno de sua suposta morte. Mas muito, muito mais ainda estava por acontecer...

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