terça-feira, 15 de maio de 2012
O Show nosso de cada dia
Foi há pouco mais de duas dezenas de anos que começou a tornar-se corriqueiro encontrarmos aparelhos de televisão em bares, restaurantes, quiosques, etc. Antes disso era comum que, em época de copa do mundo ou alguma final de campeonato, se trouxesse para dentro de um botequim ou bar um desses aparelhos pois, afinal, uma grande partida de futebol sempre foi um acontecimento de importância quase capital neste país do futebol. Até hoje eu não consigo entender como alguém convida outra pessoa para irem a um bar, onde se deveria ir para degustar uma boa bebida e ter uma boa conversa, e sentam ali para assistirem a uma novela. Só a sedução da imagem poderia explicar isso, pois mesmo que fosse apenas para saber das últimas notícias, um rádio a pilhas já daria conta. Não precisamos de televisão. Chego a pensar que viemos com o tempo sendo seduzidos pela imagem, a ponto de estarmos hoje irremediavelmente viciados, ou talvez como a mulher de Ló, transformados em estátuas de sal. Há algumas semanas topei com um companheiro de copo em um botequim desses que a gente encontra pela cidade. Começamos a conversar e beber cerveja, ao mesmo tempo em que a televisão mostrava em tempo real o mega-espetáculo da transferência do Pedro Leonardo, filho do famoso cantor, para São Paulo. Tudo com direito a escolta, helicóptero, o tom grave na voz do locutor, etc...Não sei por quê, mas lembrei do (auto)atentado terrorista de 11 de Setembro nos EUA. A cobertura destes eventos e a sua transformação em shows ao vivo, tal como se fez ali, nunca antes mereceu grande atenção dos midiocratas. Este tipo de tratamento da notícia, transformando assuntos absolutamente irrelevantes(e muitas vezes verdadeiras idiotices) em mega-eventos comparáveis à volta do Cristo veio a se revelar uma poderosa ferramenta da publicidade. O companheiro em questão, após alguns minutos, desabafou: "Se fosse um pobre que estivesse ali naquela ambulância, não teria nada disso". Com efeito, ele não deixa de ter o seu quê de razão, mas eu diria que, se por um lado o pobre não tem esta visibilidade midiática, o rico geralmente não faz questão dela. Somente as figuras públicas precisam ter e manter esta visibilidade, mesmo que seja à custa de uma desgraça qualquer ou, como acontece com os nossos políticos e artistas, à custa dos escândalos. O exemplo mais recente veio a ocorrer por estes dias, quando uma atriz brasileira, já um tanto ultrapassada e apagada, moveu um processo contra uma revista e um site da Internet que publicaram fotos em que ela aparece nua. Parece que houve um récorde de acessos ao tal site, para ver as fotos da ex-futura desconhecida em trajes de Eva e, de repente, as emissoras de Tv, de rádio, jornais e revistas exumaram seu nome das sombras do ostracismo. No fundo, eu quase que adivinho a razão deste caso de amor eterno entre o pobre e a figura pública: o primeiro chora diante das câmeras; o segundo, chora ou inventa algum absurdo para estar diante delas...Ora, se, como dizem alguns, as câmeras são os olhos do povo vestidos com os óculos de quem(com o seu consentimento) os oprime, então temos aí o show de um narciso que extrapolou a esfera individual, tornando-se o ícone de um narcisismo social via de regra obsceno. O certo é que a Tv tornou os nossos botecos todos iguais...
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