quinta-feira, 19 de junho de 2014
Não vai ter vaia
Li em alguma parte que, pelo protocolo da FIFA, o troféu da Copa do Mundo deve ser entregue aos vencedores pelo chefe(no nosso caso, não é “chefa” pelo mesmo motivo que não é“presidenta”)de estado do país sede. Supondo que a minha fonte esteja correta, então desta vez parece que estamos diante de um impasse. Eu explico: há mais ou menos uma semana, por ocasião da abertura da Copa do mundo 2014, estranhei(ou não) a presidente do Brasil não ter feito um discurso. A razão disto certamente era evitar o que não podia ser evitado e que veio logo depois. A emissora que transmitia o evento não teve tempo de cortar o áudio e o resultado foi que aproximadamente três bilhões de pessoas ao redor do planeta puderam ouvir o que a mídia chamou eufemisticamente de “vaia”. O que eu conheço como vaia é aquele tradicional “Úúúúúúú” e meu ouvido de músico várias vezes vaiado reconheceu de pronto que a plateia estava mandando a nossa chefe de estado realizar uma prática nada convencional, pelo menos no sentido lato, para quem está no poder. Uma certa figura espúria que, tal qual os ratos no esgoto, tem habitado os bastidores do poder, afirmou que aqueles que estavam ali não representavam o povo. Em primeiro lugar, o povo foi sistematicamente excluído desta festividade pelo simples fato de que a geral de todos os estádios foi suprimida nos projetos de reforma orientados pelo “Padrão FIFA”. Será que se comportariam de modo diferente, caso estas alterações não tivessem sido feitas? Não sei. E por último, se aqueles que “vaiaram” a presidente não representam o povo, ela muito menos. Mais uma coisa a se considerar: ao contrário do que certamente se passa no pensamento da figura citada acima, o que se passou ali não foi expressão do ódio de uma suposta elite para com a “classe oprimida” ou o “governo do povo”, mas de algo mais profundo e nem tão óbvio assim. Em vez de pensarmos em termos de classe dominante versus povo, clarifica mais a nossa compreensão lembrarmos que um estado se constitui a partir de um certo equilíbrio entre os interesses individuais e os interesses coletivos. Em minha opinião é este equilíbrio que está se rompendo de maneira vergonhosa, como sabe qualquer um que acompanhe a rotina indecente de roubos, corrupção descarada e jogadas políticas as mais absurdas, a fim de premiarem com a liberdade e os bilhões que roubam, os aliados políticos destes mesmos que se dizem “governo do povo”. É disso que todos estão se ressentindo. Penso que não vai haver vaia por uma razão muito simples: seja qual for a equipe campeã, se a torcida vaiar a presidente no momento da entrega do troféu, pode ser que os campeões pensem que a vaia é para eles e isto poderá soar como uma grande falta de elegância. Por outro lado, parecerá igualmente uma deselegância a nossa chefe de estado não entregar o troféu aos campeões. Daí que ela não tem saída a não ser ir entregar o troféu e ouvir então a torcida chamá-la pelo nome(para evitar que os campeões pensem errado) e mandá-la para onde já a mandou há uma semana.
quarta-feira, 11 de junho de 2014
Não vai ter Copa
Ultimamente eu não ando de modo algum inspirado a escrever alguma coisa. Não sei se pelo fato de saber com mais clareza ainda que nada do que eu escrevo pode consertar o que não tem conserto, ou se é porque a minha vaidade se cansou afinal deste brinquedo. Em poucas palavras, saco cheio. Mesmo assim, achei por bem escrever algumas linhas a respeito deste evento de gênese aqui em nosso país para lá de discutível, do qual estamos já na véspera.
É costume, na sexta Feira que antecede o Carnaval, o Prefeito subir no palanque da Avenida e, numa cerimônia simbólica, entregar a chave da cidade ao Rei Momo. Trata-se de um ritual de profundo sentido antropológico e uma sensacional metáfora para os psicanalistas. Resumidamente, a partir da entrega da chave, o poder político, por definição repressor, coloca-se de lado para que a cidade seja governada durante quatro dias por Momo, o Rei da alegria, ou Baco, se preferirem. Não faz muito tempo, aconteceu aqui, em escala macro, algo muitíssimo parecido, embora sinistramente inverso: o governo brasileiro entregou a chave do país a uma organização privada(nos dois sentidos da palavra), a saber: a FIFA, pondo-se à parte e assim anulando-se em todas as esferas para que esta determinasse o que, quando e como tudo deveria ser levado a efeito para que a Copa do Mundo acontecesse aqui, não importando a que preço. Em todos os anos que venho acompanhando as copas do mundo, sem ser necessariamente um entendedor ou mesmo um apaixonado por futebol, posso dizer que assisti a pelo menos uma cuja motivação foi descaradamente política: a copa de 1978, numa Argentina sob o jugo de uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina, cuja realização contou evidentemente com a obscena conivência da FIFA, a qual mostrou assim a natureza de suas operações e a mentalidade dos seus dirigentes. Esta copa, que deve acontecer dentro de algumas horas, promete superá-la e já vem dando provas disso há algum tempo. Falcatruas à parte, eu ressalto aqui a intenção explícita de excluir o povo desta festa, como vem acontecendo, aliás, há muitos anos com o Carnaval. Prova disto é a extinção da geral dos estádios. Outro detalhe importante são as proibições relativas à liberdade de expressão dentro e fora dos estádios, como se esta organização senil quisesse transformar cada estádio em um teatro europeu lotado de burgueses. Os protestos estão proibidos e serão reprimidos exemplarmente. Mas, mesmo não querendo colocar aqui a minha opinião de que a melhor maneira de protestar contra essa quadrilha que tomou conta de nosso país em todos os escalões(agora refiro-me à nossa subclasse política) seja a população negar-se a votar nas próximas eleições, penso que deveria haver um protesto sim, pela liberdade de expressarmos a nossa alegria da maneira como queremos. Vai haver sim uma competição de futebol de âmbito mundial aqui no Brasil, mas não vai ter copa. Não da forma como um brasileito entende o que é Copa do mundo. Lembrei de João Bosco e sua “Plataforma”, tão oportuna neste momento, a qual transcrevo abaixo e que deveria ser enviada por carta às múmias da FIFA:
Plataforma
João Bosco
Não põe corda no meu bloco
Nem vem com teu carro-chefe
Não dá ordem ao pessoal
Não traz lema nem divisa
Que a gente não precisa
Que organizem nosso carnaval
Não sou candidato a nada
Meu negócio é madrugada
Mas meu coração não se conforma
O meu peito é do contra
E por isso mete bronca
Neste samba plataforma
Por um bloco
Que derrube esse coreto
Por passistas à vontade
Que não dancem o minueto
Por um bloco
Sem bandeira ou fingimento
Que balance e abagunce
O desfile e o julgamento
Por um bloco que aumente
O movimento
Que sacuda e arrebente
o cordão de isolamento
Não põe no meu...
É costume, na sexta Feira que antecede o Carnaval, o Prefeito subir no palanque da Avenida e, numa cerimônia simbólica, entregar a chave da cidade ao Rei Momo. Trata-se de um ritual de profundo sentido antropológico e uma sensacional metáfora para os psicanalistas. Resumidamente, a partir da entrega da chave, o poder político, por definição repressor, coloca-se de lado para que a cidade seja governada durante quatro dias por Momo, o Rei da alegria, ou Baco, se preferirem. Não faz muito tempo, aconteceu aqui, em escala macro, algo muitíssimo parecido, embora sinistramente inverso: o governo brasileiro entregou a chave do país a uma organização privada(nos dois sentidos da palavra), a saber: a FIFA, pondo-se à parte e assim anulando-se em todas as esferas para que esta determinasse o que, quando e como tudo deveria ser levado a efeito para que a Copa do Mundo acontecesse aqui, não importando a que preço. Em todos os anos que venho acompanhando as copas do mundo, sem ser necessariamente um entendedor ou mesmo um apaixonado por futebol, posso dizer que assisti a pelo menos uma cuja motivação foi descaradamente política: a copa de 1978, numa Argentina sob o jugo de uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina, cuja realização contou evidentemente com a obscena conivência da FIFA, a qual mostrou assim a natureza de suas operações e a mentalidade dos seus dirigentes. Esta copa, que deve acontecer dentro de algumas horas, promete superá-la e já vem dando provas disso há algum tempo. Falcatruas à parte, eu ressalto aqui a intenção explícita de excluir o povo desta festa, como vem acontecendo, aliás, há muitos anos com o Carnaval. Prova disto é a extinção da geral dos estádios. Outro detalhe importante são as proibições relativas à liberdade de expressão dentro e fora dos estádios, como se esta organização senil quisesse transformar cada estádio em um teatro europeu lotado de burgueses. Os protestos estão proibidos e serão reprimidos exemplarmente. Mas, mesmo não querendo colocar aqui a minha opinião de que a melhor maneira de protestar contra essa quadrilha que tomou conta de nosso país em todos os escalões(agora refiro-me à nossa subclasse política) seja a população negar-se a votar nas próximas eleições, penso que deveria haver um protesto sim, pela liberdade de expressarmos a nossa alegria da maneira como queremos. Vai haver sim uma competição de futebol de âmbito mundial aqui no Brasil, mas não vai ter copa. Não da forma como um brasileito entende o que é Copa do mundo. Lembrei de João Bosco e sua “Plataforma”, tão oportuna neste momento, a qual transcrevo abaixo e que deveria ser enviada por carta às múmias da FIFA:
Plataforma
João Bosco
Não põe corda no meu bloco
Nem vem com teu carro-chefe
Não dá ordem ao pessoal
Não traz lema nem divisa
Que a gente não precisa
Que organizem nosso carnaval
Não sou candidato a nada
Meu negócio é madrugada
Mas meu coração não se conforma
O meu peito é do contra
E por isso mete bronca
Neste samba plataforma
Por um bloco
Que derrube esse coreto
Por passistas à vontade
Que não dancem o minueto
Por um bloco
Sem bandeira ou fingimento
Que balance e abagunce
O desfile e o julgamento
Por um bloco que aumente
O movimento
Que sacuda e arrebente
o cordão de isolamento
Não põe no meu...
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