quarta-feira, 11 de junho de 2014

Não vai ter Copa

Ultimamente eu não ando de modo algum inspirado a escrever alguma coisa. Não sei se pelo fato de saber com mais clareza ainda que nada do que eu escrevo pode consertar o que não tem conserto, ou se é porque a minha vaidade se cansou afinal deste brinquedo. Em poucas palavras, saco cheio. Mesmo assim, achei por bem escrever algumas linhas a respeito deste evento de gênese aqui em nosso país para lá de discutível, do qual estamos já na véspera.
É costume, na sexta Feira que antecede o Carnaval, o Prefeito subir no palanque da Avenida e, numa cerimônia simbólica, entregar a chave da cidade ao Rei Momo. Trata-se de um ritual de profundo sentido antropológico e uma sensacional metáfora para os psicanalistas. Resumidamente, a partir da entrega da chave, o poder político, por definição repressor, coloca-se de lado para que a cidade seja governada durante quatro dias por Momo, o Rei da alegria, ou Baco, se preferirem. Não faz muito tempo, aconteceu aqui, em escala macro, algo muitíssimo parecido, embora sinistramente inverso: o governo brasileiro entregou a chave do país a uma organização privada(nos dois sentidos da palavra), a saber: a FIFA, pondo-se à parte e assim anulando-se em todas as esferas para que esta determinasse o que, quando e como tudo deveria ser levado a efeito para que a Copa do Mundo acontecesse aqui, não importando a que preço. Em todos os anos que venho acompanhando as copas do mundo, sem ser necessariamente um entendedor ou mesmo um apaixonado por futebol, posso dizer que assisti a pelo menos uma cuja motivação foi descaradamente política: a copa de 1978, numa Argentina sob o jugo de uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina, cuja realização contou evidentemente com a obscena conivência da FIFA, a qual mostrou assim a natureza de suas operações e a mentalidade dos seus dirigentes. Esta copa, que deve acontecer dentro de algumas horas, promete superá-la e já vem dando provas disso há algum tempo. Falcatruas à parte, eu ressalto aqui a intenção explícita de excluir o povo desta festa, como vem acontecendo, aliás, há muitos anos com o Carnaval. Prova disto é a extinção da geral dos estádios. Outro detalhe importante são as proibições relativas à liberdade de expressão dentro e fora dos estádios, como se esta organização senil quisesse transformar cada estádio em um teatro europeu lotado de burgueses. Os protestos estão proibidos e serão reprimidos exemplarmente. Mas, mesmo não querendo colocar aqui a minha opinião de que a melhor maneira de protestar contra essa quadrilha que tomou conta de nosso país em todos os escalões(agora refiro-me à nossa subclasse política) seja a população negar-se a votar nas próximas eleições, penso que deveria haver um protesto sim, pela liberdade de expressarmos a nossa alegria da maneira como queremos. Vai haver sim uma competição de futebol de âmbito mundial aqui no Brasil, mas não vai ter copa. Não da forma como um brasileito entende o que é Copa do mundo. Lembrei de João Bosco e sua “Plataforma”, tão oportuna neste momento, a qual transcrevo abaixo e que deveria ser enviada por carta às múmias da FIFA:

Plataforma
João Bosco

Não põe corda no meu bloco
Nem vem com teu carro-chefe
Não dá ordem ao pessoal
Não traz lema nem divisa
Que a gente não precisa
Que organizem nosso carnaval

Não sou candidato a nada
Meu negócio é madrugada
Mas meu coração não se conforma
O meu peito é do contra
E por isso mete bronca
Neste samba plataforma

Por um bloco
Que derrube esse coreto
Por passistas à vontade
Que não dancem o minueto
Por um bloco
Sem bandeira ou fingimento
Que balance e abagunce
O desfile e o julgamento

Por um bloco que aumente
O movimento
Que sacuda e arrebente
o cordão de isolamento
Não põe no meu...

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