terça-feira, 23 de setembro de 2014

Ao vento I

É tanta coisa inútil que às vezes eu penso, que às vezes eu penso que é inútil pensar...

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Os Nanautas estão entre nós(parte VII)


Uma coisa é muito certa: quando os astros se reúnem no céu e resolvem conspirar para que algo aconteça, não há nada aqui embaixo no mundo dos mortais que possa impedir. Silver, também adepto do Cara-coroísmo e da Astrologia, sabia disso muito bem, e sabia perfeitamente que aquele era o seu momento. Conseguira facilmente o dinheiro para sua viagem de navio até New Orleans(tinha medo de viajar de avião desde que fora abduzido por alienígenas que o obrigaram a práticas inconfessáveis num biombo dentro de um Ovni). Tinha até o suficiente para se instalar confortavelmente em um bom hotel. Ocorre que os Federais estavam curiosos por saber quem era o abnegado médico que examinara um paciente a cada cinco minutos, vinte e quatro horas por dia, durante dez dias, sem tempo sequer para comer, dormir ou tomar banho, o que dava um total de dois mil, oitocentos e oitenta atestados médicos. Sentiu então que devia partir o mais rápido possível, mas só havia o luxuoso e caro transatlântico Eugenio “C” disponível no porto e o seu dinheiro daria apenas para a passagem de ida e um cheeseburguer com limonada a cada dois dias. Resolveu que seria de bom tom fazer então um pequeno investimento antes. E assim foi. Embarcou rapidamente naquele que era o orgulho da navegação mundial e ganhou o mar. A sorte parecia mesmo estar ao seu lado. Ali presentes estavam Don Corleone, Don Berlusconi, Marlon Brando, Don Vito Genovese, Raul Capitão, Castor de Andrade e o temido e sanguinário Tomaso Buscetta, entre outros chefes da Máfia, acompanhados de parentes, amigos e capangas, todos reunidos para um cruzeiro onde naturalmente iriam decidir sobre a viabilidade do jogo do Bicho nos EUA. Na quinta feira da segunda semana estava programado um grande show a bordo com Frank Sinatra, que cantaria o seu grande hit “That guy is me”(“Esse cara sou eu”), de autoria de Carlos “O Chacal”(para quem não sabe, Carlos era, além de pistoleiro, um grande compositor de músicas românticas), na época em que o mundo se perguntava perplexo quem havia matado Kennedy. Era tudo de que Silver precisava, pois já estava começando a ter alucinações devido a ficar tantos dias praticamente sem comer. Foi sem dúvida um espetáculo grandioso. Todos foram às lágrimas com sucessos como “I feel a hole in my heart”(Eu sinto um buraco no meu peito), “Let me fire again”(Deixe-me atirar de novo”), a imortal “That guy is me” e outras. Aproveitando-se do primeiro intervalo do show, Silver subiu no palco, pegou o microfone e começou um discurso que também emocionou a todos, tendo se eternizado até os dias atuais:
-”Senhoras e senhores passageiros, primeiramente uma boa noite. Desculpem interromper o descanso de sua viagem. Eu podia estar roubando, matando, espionando, delatando, me prostituindo, mas não. Eu venho humildemente oferecer a vocês estes belos produtos que eu tenho certeza tornarão a sua viagem ainda mais divertida”.
Então abriu uma das duas malas que estavam consigo e foi passando de mesa em mesa. Não terminou de percorrer o salão e já havia vendido tudo: 15 sub-metralhadoras, 12 pistolas calibre 45 com silenciador, 15 granadas, 6 rifles de longa distância com mira telescópica, 20 revólveres calibre 38, 6 metralhadoras ponto 30, 10 fuzis automáticos, 78 caixas de munição e 20 facas. As vendas foram um sucesso. Conseguira dinheiro para mudar para um camarim na primeira classe, fazer três refeições por dia, encher a cara de Whisky, comer uma piranha por noite e, se quisesse, poderia até contratar o Frank Sinatra para um show particular em sua cabine. Sentia-se orgulhoso de si mesmo e, uma noite, pegou uma lata de tinta, um pincel e deu um jeito de se pendurar na proa do navio e substituir o “Eugenio C” por “Eu o gênio A.C”. A viagem trancorreu normal até a Flórida, onde desembarcou, mas soube pelos jornais que o tal cruzeiro terminou em um intenso tiroteio que durou uma noite inteira, o que forçou as companhias de navegação a criarem a lei que proíbe o comércio de ambulantes a bordo dos transatlânticos, lei esta que vigora até hoje. Mas aquela letra “C” na chaminé do navio parecia prenunciar um encontro fatídico que se daria algum tempo depois...