Uma coisa é muito
certa: quando os astros se reúnem no céu e resolvem conspirar para
que algo aconteça, não há nada aqui embaixo no mundo dos mortais
que possa impedir. Silver, também adepto do Cara-coroísmo e da
Astrologia, sabia disso muito bem, e sabia perfeitamente que aquele
era o seu momento. Conseguira facilmente o dinheiro para sua viagem
de navio até New Orleans(tinha medo de viajar de avião desde que
fora abduzido por alienígenas que o obrigaram a práticas
inconfessáveis num biombo dentro de um Ovni). Tinha até o
suficiente para se instalar confortavelmente em um bom hotel. Ocorre
que os Federais estavam curiosos por saber quem era o abnegado médico
que examinara um paciente a cada cinco minutos, vinte e quatro horas
por dia, durante dez dias, sem tempo sequer para comer, dormir ou
tomar banho, o que dava um total de dois mil, oitocentos e oitenta
atestados médicos. Sentiu então que devia partir o mais rápido
possível, mas só havia o luxuoso e caro transatlântico Eugenio “C”
disponível no porto e o seu dinheiro daria apenas para a passagem de
ida e um cheeseburguer com limonada a cada dois dias. Resolveu que
seria de bom tom fazer então um pequeno investimento antes. E assim
foi. Embarcou rapidamente naquele que era o orgulho da navegação
mundial e ganhou o mar. A sorte parecia mesmo estar ao seu lado. Ali
presentes estavam Don Corleone, Don Berlusconi, Marlon Brando, Don
Vito Genovese, Raul Capitão, Castor de Andrade e o temido e
sanguinário Tomaso Buscetta, entre outros chefes da Máfia,
acompanhados de parentes, amigos e capangas, todos reunidos para um
cruzeiro onde naturalmente iriam decidir sobre a viabilidade do jogo
do Bicho nos EUA. Na quinta feira da segunda semana estava programado
um grande show a bordo com Frank Sinatra, que cantaria o seu grande
hit “That guy is me”(“Esse cara sou eu”), de autoria de
Carlos “O Chacal”(para quem não sabe, Carlos era, além de
pistoleiro, um grande compositor de músicas românticas), na época
em que o mundo se perguntava perplexo quem havia matado Kennedy. Era
tudo de que Silver precisava, pois já estava começando a ter
alucinações devido a ficar tantos dias praticamente sem comer. Foi
sem dúvida um espetáculo grandioso. Todos foram às lágrimas com
sucessos como “I feel a hole in my heart”(Eu sinto um buraco no
meu peito), “Let me fire again”(Deixe-me atirar de novo”), a
imortal “That guy is me” e outras. Aproveitando-se do primeiro
intervalo do show, Silver subiu no palco, pegou o microfone e começou
um discurso que também emocionou a todos, tendo se eternizado até
os dias atuais:
-”Senhoras e senhores
passageiros, primeiramente uma boa noite. Desculpem interromper o
descanso de sua viagem. Eu podia estar roubando, matando, espionando,
delatando, me prostituindo, mas não. Eu venho humildemente oferecer
a vocês estes belos produtos que eu tenho certeza tornarão a sua
viagem ainda mais divertida”.
Então abriu uma das
duas malas que estavam consigo e foi passando de mesa em mesa. Não
terminou de percorrer o salão e já havia vendido tudo: 15
sub-metralhadoras, 12 pistolas calibre 45 com silenciador, 15
granadas, 6 rifles de longa distância com mira telescópica, 20
revólveres calibre 38, 6 metralhadoras ponto 30, 10 fuzis
automáticos, 78 caixas de munição e 20 facas. As vendas foram um
sucesso. Conseguira dinheiro para mudar para um camarim na primeira
classe, fazer três refeições por dia, encher a cara de Whisky,
comer uma piranha por noite e, se quisesse, poderia até contratar o
Frank Sinatra para um show particular em sua cabine. Sentia-se
orgulhoso de si mesmo e, uma noite, pegou uma lata de tinta, um
pincel e deu um jeito de se pendurar na proa do navio e substituir o
“Eugenio C” por “Eu o gênio A.C”. A viagem trancorreu normal
até a Flórida, onde desembarcou, mas soube pelos jornais que o tal
cruzeiro terminou em um intenso tiroteio que durou uma noite inteira,
o que forçou as companhias de navegação a criarem a lei que proíbe
o comércio de ambulantes a bordo dos transatlânticos, lei esta que
vigora até hoje. Mas aquela letra “C” na chaminé do navio
parecia prenunciar um encontro fatídico que se daria algum tempo
depois...
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