Eram sete da noite e a campainha tocou.
- Mas que cara chato, porra!
Ela então levantou do sofá e foi pegar a toalha para entrar no banheiro. Antes, porém, disse à irmã:
- Vai lá e atende, Isabel. Se for aquele babaca de novo, você diz que eu não estou, recebe as flores e coloca em qualquer lugar aí.
E era ele mesmo. A irmã o atendeu, desconversou e, enquanto o observava ir-se embora no seu carrão, pensava em como seria divertido ter um otário daqueles apaixonado por ela...
Tudo começara umas semanas antes. Ele estacionara o carro e vinha pela calçada distraído, pensando num jeito de conquistar a mulher dos seus sonhos, aquela por quem estava encantado já havia algum tempo. A sorte parecia estar lhe sorrindo pois, ali mesmo, naquele boteco perto da esquina, estava justamente o especialista em corações femininos. Era tudo de que precisava. Entrou, pediu uma cerveja e foi puxando conversa, enquanto enchia os dois copos:
- Porra, França, muito bom encontrar você por aqui. Eu precisava muito falar com você.
- Pode falar...fora o resto do corpo, eu sou todo ouvidos...
- Cara, eu estou apaixonado por uma mulher. É a Soninha Boaventura, aquela loirinha que mora lá perto da praça.
- Conheço a Soninha...- e tomou um gole generoso do traçado que estava à sua frente, junto à cerveja.
- Não consigo tirá-la do pensamento. Estou de quatro por ela, mas o problema é que não consigo achar um jeito de conquistá-la.
- E onde é que eu entro nessa história?
- É que eu sei que você é o maior conquistador que tem por aqui. Mulher nenhuma resiste à sua conversa, e eu acho que você podia me dar umas dicas, se não se importar...
- Sei lá, acho que posso sim - e fez um longo silêncio pois, no fundo, sabia que "qualquer ajuda é inútil quando o sujeito é um banana" - mas você vai ter que fazer exatamente o que eu vou lhe dizer.
- Eu faço qualquer coisa para ter aquela mulher. Pode falar...
- Presta atenção: você vai passar numa floricultura e vai comprar um buquê de flores bonito, mas discreto. Tem que ser discreto, e não um daqueles enormes, que parecem uma privada psicodélica, entendeu?.
- Ok
- Vai na casa dela e, quando ela atender, você entrega o buquê a ela, de preferência na frente dos familiares, e apenas diz: "Isto é pra você" e então dá as costas e vai embora sem esperar nem o agradecimento. Isto funciona como uma bomba. É uma arma poderosíssima. Ela nem vai dormir pensando em você, e é justamente porque você não disse o motivo daquele buquê. Então, é a própria cabeça dela que vai dizer. E a resposta inevitavelmente vai ser a seu favor, porque os familiares também vão buzinar no ouvido dela, entendeu?
- Entendi tudo. Vou fazer isso amanhã mesmo.
- Mais uma coisa: essa é uma arma infalível, mas é uma arma pra um tiro só. Faça apenas uma vez. Espere uns dois ou tres dias e dê o bote.
Ele seguiu todas as instruções e o resultado não poderia ser outro: não só a moça ficou encantada, como também a mãe e a irmã, que presenciaram a cena toda. Ele foi para casa feliz, sentindo-se poderoso, quase um deus, e orgulhoso pela conquista já praticamente certa. Mas no dia seguinte, no trabalho, começou a matutar consigo mesmo: "Ora, ela já está no papo. Mas se só um buquê deu esse resultado...posso ter um resultado mais arrasador ainda, e eu quero muito mais: quero ela aos meus pés, babando e rastejando, toda derretida por mim. Acho que algumas doses de reforço vão deixá-la de quatro por mim". Saiu mais cedo do trabalho, passou novamente na floricultura e rumou para a casa da amada. E assim foi pelas duas semanas seguintes, quase como um ritual, até que a moça já não aguentava mais de tanta flor.
Ficou realmente perplexo tentando entender a "súbita" indiferença de Soninha e a maneira como ela o estava evitando, e chegou à conclusão de que "nenhum método é infalível" e que "ela podia ser justamente a exceção". Pensou então na florista que, do nada, vinha despertando o seu interesse nos últimos dias e pensou em dar a ela umas flores, mas "o França com certeza diria que flores não são a melhor coisa para se dar a uma florista...talvez uma caixa de bombons...ou ..."
Algumas caixas de bombons depois, passando com seu carro em frente ao mesmo boteco, lhe pareceu ver Soninha tomando cerveja no balcão, sentada com um outro sujeito, que estava com a mão na coxa dela. E era "a cara" do França...
(Jan Robba em "O livro das esquisitices")
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