Lembro-me bem daqueles tempos em que ouvíamos nossas músicas num pequeno gravador cassete. Em toda esquina onde adolescentes se reunissem, sempre aparecia um desses e um violão, entre outras coisas...As vitrolas tinham ficado obsoletas e os modulares ainda estavam por vir, para despejar algumas centenas de Watts RMS que fariam o desespero de familiares e vizinhos. Lembro que eu achava muito estranha a minha voz gravada num daqueles aparelhos. Não gostava mesmo. Achava horrível a minha voz. Aliás, achava minhas fotos ruins, assim como as músicas que eu compunha e as coisas que eu escrevia. E assim é até hoje. Penso que, mesmo aqueles que se acham feios, no fundo se acham bonitinhos e a prova disso é a reação de horror ao testemunho indiscutível de um gravador ou máquina fotográfica, etc...É difícil para mim gostar de alguma coisa que eu crio. Dizem que este “rigor” é bom para que o escritor/músico/artista/cientista siga sempre buscando a perfeição. Na verdade, isto tudo é um bocado chato. Principalmente no país do “embrulha e manda”. Mas sei que, amanhã, quando eu puser meus olhos nisto aqui, acharei ridículo. Sei que vou me perguntar o quê o meu leitor pensa quando lê essas coisas(já estou me perguntando). Não conheço pessoalmente um só dos meus(onze) leitores. Escrevo para um leitor genérico, mas genérico não no sentido que os farmacêuticos dão ao termo, mas no sentido que a minha imaginação gostaria que fosse: que, de preferência, discorde da minha opinião com relação àquilo que eu crio. Em outras palavras: um leitor “gente boa”. Uma musa inspiradora, em lugar de um leitor genérico, talvez fosse bom também, mas não preciso de tanto “rigor” assim para saber que a musa de hoje talvez ande atrás de coisa bem diferente. É capaz inclusive de engravidar de um Mick Jagger para conseguir o que quer. Não estou afirmando que ela seja uma negociante que fez do seu corpo moeda de troca. Longe de mim afirmar isto. Até porque ela é um ser etéreo, habitante das alturas do idealismo e eu, um cara que sabe que, para certas coisas, o tempo dos gravadores cassete já se foi...
(Jan Robba em:"O livro das esquisitices")
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