quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Kiss: o beijo de fogo da inconsequência

Hoje completa-se um mês desde que o Brasil e o mundo assistiram a uma das maiores tragédias em número de vítimas fatais que este país já conheceu e então, depois de toda aquela comoção nacional regada a holofotes, câmeras e altos índices de audiência que via de regra precedem atitude nenhuma, acho oportuna uma pequena reflexão acerca de uma calamidade que vem assolando este país já desde tempos imemoriais, e com a qual o povo parece não se importar ou, por puro oportunismo ou preguiça mesmo, finge ignorar: a falta de profissionalismo ou, em outras palavras, esta espécie de otimismo cínico e inconsequente na qual o brasileiro em geral tornou-se ou já era especialista. Eu explico: Tomemos como pedras de toque para a compreensão dos fatos aquelas que são consideradas as três causas clássicas de acidentes, a saber, a imperícia, a imprudência e a negligência e, já de pronto, teriam que ser chamados a prestar esclarecimentos e responsabilizados desde o governador do estado até o acéfalo que acendeu um sinalizador dentro da boate, incluindo-se aí naturalmente o prefeito, os fiscais da prefeitura, os donos do estabelecimento, os seguranças e seu chefe, etc, já que todos pecaram em pelo menos uma das causas acima. Eu não diria deles que são amadores, pois não me parece decente confundí-los com aquela classe admirável de pessoas que amam o que fazem e procuram fazê-lo da melhor maneira possível, merecendo com toda a justiça o nome de artistas. “Lambões” é, a meu ver, o termo que mais se presta para definí-los. Sem querer matematizar demais diremos, junto com os estatísticos, que a fatalidade é apenas uma probabilidade que não foi calculada. O que não quer dizer de modo algum que esta probabilidade não exista. Mas ninguém na realidade precisa se envolver em cálculos mirabolantes para descobrir o que pode ser feito para que certas coisas indesejáveis não ocorram. Voltando um pouco no tempo, não ficará difícil entendermos o porquê de em mega-eventos como o Rock in Rio ou o show dos Rolling stones em Copacabana não ter havido incidentes maiores do que os que se espera em um show de Rock, a saber, uma ou outra briga ou eventuais casos de etilismo agudo. A razão é muito simples: ali havia profissionais extremamente competentes, cujo sucesso e prestígio dependem sempre e fundamentalmente da máxima diminuição de todos os riscos. E é isso que os aventureiros que grassam por todos os setores de nossa sociedade ainda não aprenderam. Não sou necessariamente um pessimista, mas eu diria que a questão da responsabilização e da punição dos envolvidos neste episódio lamentável não vai dar em coisa alguma. A razão? É porque até mesmo os nossos três poderes(executivo, legislativo e judiciário) também estão minados por dentro pelos mesmos “três poderes”, já citados no início deste ensaio, que realizam o prodígio de destruir um país e não apenas uma boate num piscar de olhos. O que nós e o mundo vimos foi, em outras palavras, nada menos que o beijo de fogo da inconsequência(ou uma lambança completa, se preferirem).


Em tempo:
“Temos como imprudente aquele que, através de uma conduta, afasta-se do mínimo que a apropriada execução exige. O exemplo clássico de excesso de velocidade por motorista em noite chuvosa é extremamente ilustrativo(...) Ou seja, imprudente é aquele que faz quando não deveria fazer”.
“Configura-se a imperícia a partir do despreparo do agente em exercer determinada função onde conhecimentos técnicos são indispensáveis para o sucesso da atividade ou profissão. O leigo que exerce artes medicinais, culminando este proceder em prejuízo ou dano para alguém, demonstra-se como imperito. Ou seja, imperito é aquele que não sabe fazer”.
“Negligente demonstra-se o agente na prática de proceder, que revele e caracterize omissão, em prejuízo de uma atitude que deveria ser originalmente positiva. Em negligência incide, por exemplo, o enfermeiro que deveria realizar a troca diária de ataduras no ferido, e não o fazendo, agrava sua lesão(...)Ou seja, negligente é aquele que não faz quando tem que fazer”.

(Adaptado de: www.ufac.br/ensino/cursos/curso_direito/docs/ufac_artigo_e12.doc)

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