sábado, 9 de fevereiro de 2013

Um erro fatal

- Filho da puta...- pensou ele, meio falando, enquanto caminhava pela rua, tomado por aquela confusão de sentimentos que inclui não só um enorme desânimo, mas também auto-piedade, revolta e o ódio que todo mundo sente quando é descoberto fazendo algo que sabe que não se deve fazer. Tudo começara uns dias antes, quando fora participar de um processo de seleção, a fim de conseguir um emprego no setor de vendas de uma multinacional famosa. Viera agora receber o resultado do teste psicológico e, assim que se sentou, o psicólogo lhe disse por cima dos óculos:
- Cá entre nós, isso que você fez não foi muito honesto...ou foi?
- Não entendi...O quê foi que eu fiz?
- O fato de todos os outros depois de você terem dado a mesma resposta ao teste refresca a sua memória?
Ele olhou para o chão e sentiu que havia se dado mal. Não sabia o que dizer.
- Mais uma coisa – continuou o psicólogo - você pensou que era esperto mas, se fosse esperto mesmo, teria ficado na sua. Eu mandei você olhar uma figura e escever o que viesse à sua cabeça. No final, eu disse que a sua resposta estava muito boa, mas você não sabe que testes desse tipo não têm resposta certa ou errada. Nisso, eu acabei conhecendo a sua integridade...sua capacidade de, de vez em quando, agir honestamente, entende? E você, quando abriu o bico lá fora, não só se reprovou neste quesito, como reprovou todos os outros.
Ele então olhou para o envelope de papel pardo em cima da mesa, olhou para fora da janela e finalmente olhou para o psicólogo com aquele olhar de quem fora repentinamente reduzido a dimensões sub-atômicas.
-E ainda mais uma coisa: o que você viu na figura, na realidade não interessa nem um pouco, como não me interessa nem um pouco a sua honestidade.
- Hum?
- O que me interessa mesmo não está no teste, mas nem você e nenhum outro podiam saber disso. Então, com relação à honestidade, pode ficar tranquilo porque, até hoje, muito poucas pessoas íntegras passaram por aqui. E tem mais: o dono desta empresa não deve ser muito mais honesto do que você. Talvez ele procure apenas pessoas ousadas, auto-confiantes e que sabem o que querem, e que no fim das contas utilizem os mesmos métodos que ele usou para subir na vida...E você sabe, nesse ramo muitas vezes a honestidade até atrapalha...
- ...
- Bem, o meu procedimento aqui é o seguinte: eu faço a avaliação dos candidatos e entrego a cada um o resultado dentro de um envelope lacrado e carimbado e eles devem, se quiserem, retornar à empresa e entregá-lo ao gerente de pessoal, que é quem dará a última palavra. Caso o lacre seja violado, o laudo perde toda a validade e o candidato é automaticamente reprovado.
O psicólogo então pegou o envelope e o entregou ao candidato, dizendo por fim:
-Pegue. Faça o que quiser com isto. Você não sabe o que está escrito aí dentro. Se tentar saber, perde a validade. A decisão de entregar ou não à empresa é por sua conta, pois a passagem até lá é você quem vai pagar...
E agora estava ele ali na rua, sem rumo e com aquele envelope na mão(e é nessas horas que as lixeiras estranhamente desaparecem). Por fim, pensou:
- Porra, já que eu estou fudido mesmo, pelo menos quero ver o que está escrito aí...
E então abriu o lacre e retirou o laudo, cuja conclusão dizia: “O candidato é considerado apto para exercer o cargo para o qual se propõe”.
Agora sim, ele acabara de cometer o erro fatal...

(Jan Robba em:”O livro das esquisitices”)


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